Alto-mar

young couple hugging at sunset on cruise ship

Não foi o acaso, tampouco o destino, conforme muitos desconfiam logo de início. Também não foi a oscilação, praticamente imperceptível e insignificante aos tripulantes e passageiros do cruzeiro. Foi, pura e simplesmente, falta de atenção. No lugar e estado em que se encontravam, nada mais plausível. Trombaram no casino, eufóricos e levemente embriagados. Desculparam-se e sorriram simultaneamente – e seguiram suas vidas navio adentro. O senso de oportunidade faltou a ambos e só ressurgiu no dia seguinte, no convés da piscina, onde ele a procurou, e ela, sem pudor, o arrastou para a sua cabine.

Novamente, não foi o acaso, o destino, a oscilação ou, dessa vez, a falta de atenção. Foi, naturalmente, amor à primeira vista, atração relâmpago. O rapaz sorriu primeiro, ergueu, à distância, o copo em um brinde a ela, imprimindo galanteio e graciosidade ao gesto — adjetivos que, segundo ela, combinaram perfeitamente bem com a aparência do sujeito. Ele ofereceu um drinque e pediu permissão para se sentar. Intuitiva como sempre foi, fez o papel de mulher recatada, casta e inocente. Entregou-se ao flerte pouco a pouco, bebeu menos do que deveria, sorriu sem demonstrar qualquer tresvario. E, fingindo inocência, aceitou o convite: conhecer a varanda de sua cabine.

Outra vez, não foi o acaso, o destino, a oscilação, a falta de atenção ou qualquer amor à primeira vista. Foi, simplesmente, apreço pela liberdade, pelo poder de agir, no seio de uma sociedade hipócrita sobre a igualdade, conforme a própria vontade. Durante a festa noturna no convés principal, conheceu um trio: dois homens e uma mulher. Trocaram apenas apelidos, alguns de derivações impossíveis, como o dela próprio. Os quatro, em plena consciência, abandonaram o pavimento superior e promoveram um festim licencioso em um dos compartimentos inferiores. O cubículo, como cenário, atendeu perfeitamente os pares.

Acaso, destino, oscilação, desatenção, amor, liberdade, nada disso. Paz: sossego para ficar em sua própria cabine, ausentar-se das lutas internas e externas, das perturbações sociais. Descansar, refletir, harmonizar. Desanuviar-se, desoprimir-se, desafogar-se. Compreender, sem autocríticas, a própria vida, os erros, acertos, planos, conquistas e fracassos. Privacidade para recordar e chorar, das alegrias e tristezas, ganhos e perdas, afetos e desafetos; para apaziguar tempestades interiores em mares calmos, expandir os horizontes em azuis infinitos, reconhecer os pés firmes mesmo sobre superfícies em movimento. Intimidade para reorganizar, reformular, reconstruir e, principalmente, se aprimorar.

Finalmente, tudo. Caminhavam em direções opostas no deque. Todos no navio sentiram o solavanco. Ela se desequilibrou e o copo caiu, derramando o líquido sobre a madeira lisa que o fez escorregar. Prontamente recuperada, socorreu o homem. Olharam-se com afinidade e explodiram em gargalhada. Encontraram-se mais tarde, e também nos dias subsequentes. O conjunto de causas imprevisíveis os colocou no navio; o destino, a chance de se cruzarem; a oscilação, tempo para o destino cumprir seu papel; a desatenção, de derrubá-lo; o amor, de se amarem; a liberdade, de se escolherem e; a paz, de descerem juntos ao final do cruzeiro.

Gustavo Scussel