Cinco atos

road-trip-engagment-session-vw-beetleA conferência. Pega o jornal, dobra-o ao meio duas vezes. Busca o retângulo no fim da página, destampa a caneta, depois tira o bilhete do bolso e o coloca sobre a mesa. Bate o olho no jornal e no bilhete. Confere um número lá, risca outra cá. Dois com dois; sete com sete; treze com treze; vinte e um com vinte e um… Sente-se asmático. Prossegue. Assinala todos os números. Assusta-se, de verdade. Não acredita. Pensa, com pavor premeditado, que está errado. Torna a conferir, mas está correto, corretíssimo. Seis acertos. Incontestáveis seis números coincidentes. Suspira. Sonha.

O bilhete. Tampa a caneta, enxuga o suor da testa. Coloca o cartão impresso no bolso do paletó com o maior cuidado. Pensa melhor e o retira, depois o coloca no bolso da camisa, junto ao peito. Desdobra o jornal e torna a dobrá-lo, agora ao contrário. Leva a mão ao bolso assustado, como quem sente o coração parar. Por um breve instante, de fato, ele para, até senti-lo no lugar, perfeitamente seguro, protegido — o bilhete, não o coração. Levanta-se. Pede permissão ao chefe para sair. Justifica questões pessoais de caráter urgentes. Sai acreditado pelo suor que brota na testa.

A documentação. Em casa, pega todos os documentos originais: certidão de nascimento, identidade, CPF, etc.; fotos três por quatro recentes, muitas; contas de luz e telefone, do último mês, do penúltimo e antepenúltimo, e também de seis meses atrás, todas devidamente pagas. Vai ao quarto. Põe dez ou doze mudas de roupa em uma mala. Volta ao carro e segue direto para a agência bancária. Pega a senha mais neutra possível, para não despertar atenção. Ao ser chamado, cochicha a situação no guichê. A moça, cheia de polidez e profissionalismo, o leva ao gerente.

O milionário. Diz que é solteiro. Na verdade é divorciado, sem filhos, amigado com outra mulher. Trinta e dois anos; de nacionalidade brasileira e naturalidade mineira. Possui residência fixa. Mostra as contas. Entrega, primeiro, a certidão de nascimento, depois os demais documentos, até o certificado de reservista. Assina tonelada de papéis. Ainda transpira, embora já se tenha como milionário. Responde que não, não possui conta no banco; sim, gostaria de abrir; sim, uma porcentagem na poupança; sim, outra aplicada; sim, cartão de crédito internacional, sem limites, evidentemente. Aguarda o gerente. Quando volta, aperta-lhe a mão, agradecendo-o de igual para igual.

O clichê. Sai do banco com uma grande quantia de dinheiro vivo nos bolsos. Entra no carro, abastece em um posto próximo. Fecha os vidros e toma a rodovia. Liga o som, afrouxa a gravata, depois a arranca com um sorriso no rosto. Lembra-se do celular. Vê as mensagens e as ligações não atendidas ao volante. Dirige sobre a ponte que divide os estados. Pensa em responder a mulher. Escreve um pouco, mas desiste. Quando desliga o aparelho e volta a encarar a estrada, o óbvio acontece: é acertado, em cheio, pela felicidade. E será, de fato, feliz para sempre.

Gustavo Scussel