“Ficou louca por amor”, é o que diziam.
Flávia conheceu o rapaz na rua, aos quinze anos, voltando do colégio. Por um breve instante teve a impressão errada. Pensou, é verdade, em um provável assalto. Tiago, apesar da roupa humilde, a abordou com o intuito de elogiá-la. Fez, inclusive, uma boa leitura do momento, desculpando-se premeditadamente por suas maneiras. Com tão pouca gentileza e educação nas palavras, ele a tranquilizou, e ela, por sua vez, permitiu a aproximação.
Tinham apenas dois anos de diferença na época. Ele, experiente, apesar dos dezessete, executou a corte moderna com maestria: na primeira semana, ajudou a carregá-la a mochila da escola; na segunda, pagou um açaí; na terceira (julgando-se atrasado duas semanas), a levou ao baile funk e perverteu sua pureza, após arrastá-la para casa. Tiago, no entanto, não a descartou, como se fosse objeto. Pelo contrário: não recuou em nada, absolutamente nada. No dia seguinte, lá estava, pronto para ajudá-la a carregar a mochila. Flávia, nas nuvens, apaixonou-se por completo e, sem querer, esqueceu-se de Arthur, seu vizinho.
O vizinho não teve a mesma sorte que Tiago; sorte ou iniciativa, diga-se. Excedia, em Arthur, educação e respeito em relação a Flávia. Tanto que, por medo, sequer a tocava no braço, receoso em ofendê-la. Mesmo assim, mostrava-se presente de todas as maneiras possíveis. Ajudava-a nas lições de casa (embora estudassem em colégios diferentes), presenteava-a em todas as datas especiais (aniversário, Páscoa, Natal) e a mimava com chocolate branco (ela odiava o preto) uma vez por semana, sempre às sextas-feiras. Quando Flávia começou a percebê-lo, Tiago cruzou seu caminho.
Aos dezoito anos, ela se mudou com Tiago. Os primeiros dias em uma situação nova e agradável foram maravilhosos para Flávia, mas acabaram abruptamente quando ele chegou, certo dia, alterado em casa, depois de uma partida de futebol com os amigos. Ela demandou explicações e, como resposta, viu, em câmera lenta, o punho acerta-la em cheio. A vista escureceu e desmaiou. No dia seguinte, apesar da vista normal, não voltou a encontrar luz: a casa agora era dominada por uma atmosfera instável e sombria. Viveu, em síntese, três anos horríveis, quando finalmente fugiu para a casa dos pais.
Arthur, ainda vizinho, encheu-se de felicidade ao saber da separação, e também de ódio, ao tomar conhecimento do motivo. Tanto que, abandonando os bons modos, procurou Tiago e lhe deu uma tremenda surra. Voltou decidido a cuidar de Flávia, tratando-a, dia após dia, com extrema cortesia, atenção, carinho e presteza.
Depois de anos, Flávia notou as atitudes amorosas do vizinho. Sonhando acordada — alguns diriam —, olhou-o profundamente, sorrindo e suspirando. Arthur reparou e, comovido por seu olhar, perguntou, carinhosamente:
— O que foi, meu anjo?
Ela, ainda aérea, suspirando e sorrindo (agora diriam delirando), respondeu:
— Eu só queria que o Tiago me tratasse assim…
Ficou louca pouco depois, por amor.
Gustavo Scussel