O cachimbo e a garrafa

o_cachimbo_e_a_garrafaO armazém de artesanato do senhor Adolfo era a única construção modesta em uma avenida dominada por arranha-céus de luxo. Era, também, a única feita de madeira, em vez de concreto e armação de aço, como as demais, e cuja fachada lembrava os clássicos saloons do Velho Oeste norte-americano. O interior surpreendia principalmente pelo espaço, que parecia ter horizontalmente o equivalente a um prédio de dez andares, e também pela qualidade e pelo brilho da madeira, do balcão às escadas, do assoalho às estantes, onde era possível encontrar desde pinturas de artistas independentes a objetos e brinquedos raros.

Adolfo, um velho senhor que possuía cabelos brancos apenas nas laterais e os penteava sempre para trás, abria seu armazém religiosamente de segunda a sexta, em horário nada ortodoxo para uma avenida que despertava às sete da manhã e dormia, com sorte, as dez da noite. Depois que todos os homens e mulheres, vestindo seus ternos e saias riscadas, desfilavam diante do armazém ainda fechado, surgia, a pé, Adolfo, com seu colete xadrez de algodão sobreposto a uma camisa branca, calça de sarja um pouco larguinha e um cordão de ouro que descia do cinto e subia outra vez em direção ao bolso, de onde sacava, de quando em quando, o relógio Tissot, que marcava sempre pontualmente nove e meia no exato instante em que enfiava a chave no tambor da porta principal do armazém.

Como o lugar sobrevivia em um endereço de alta rotatividade comercial, ninguém sabia dizer. Fato é que, mesmo com pouco movimento, havia sempre alguém adentrando o estabelecimento e fazendo tocar o sininho delicado e antiquado que ficava sobre a porta, um instrumento pavloviano que fazia Adolfo sorrir imediatamente para receber mais um cliente, a quem sempre amava e atendia com extremo zelo e educação. Coincidentemente, eles também passavam a amá-lo, mesmo que não soubessem dizer bem se era pelo zelo, pela educação ou pela amabilidade do dono.

Com setenta e um anos, Adolfo jurava que já tinha visto todos os tipos de cliente, mas conservava, em memória, os mais interessantes, como por exemplo, um senhor negro que mancava bastante mesmo apoiando-se na bengala. Chamava-se Sabino Cícero Pereira. Comprou meia dúzia de jogos de pega-varetas enquanto emitia uma risada buliçosa, e também dúzias de frade de tubinhos que serviam para prender dedos indicadores com um humor nada franciscano, além de sete grandes redes artesanais. Era tudo para o sobrinho travesso, justificou. Enquanto fechavam a compra no balcão, Sabino se sentou e puxou a barra da calça para refrescar a canela — apenas uma, pois a outra era uma prótese. Por fim, ofereceu para venda um cachimbo de meerschaum, um mineral original da Turquia, decorado com entalhes de madeira de lei e cerejeira. Adolfo comprou o cachimbo e a caixa de acrílico onde ficava guardado.

Além de Sabino, houve também uma cadeirante de beleza estonteante que cobria as pernas com uma manta escura e era acompanhada por uma moça pequena e visivelmente vaidosa que enfeitava os cabelos compridos com flores coloridas, e que, juntas, compraram quadros bucólicos, peixinhos de madeira pintados à mão, grãos de arroz desenhados milimetricamente e navios de escala média que tinham velas de pano de verdade. A moça pequena escolheu tudo à pulos tão levianos entre os corredores que mal parecia tocar o chão, e toda vez que Adolfo a espreitava com o sorriso no rosto para certificar-se de que não estava voando, ela o retribuía com um sorriso pueril e um olhar malicioso. Era graciosa e inspirava um júbilo tão autêntico que fazia Adolfo e Iara, a cadeirante, sorrir e desejar pular também, tanto que, algumas vezes, talvez por culpa dos neurônios-espelho ou do reflexo motor psicossomático que ignorava a limitação orgânica e concentrava-se exclusivamente na infinidade psíquica, fazia a manta saltitar, contradizendo a invalidez aparente. Adolfo se assustou quando isso aconteceu pela primeira vez, mas ao olhar Iara, que também o encarou, assustada pelo susto dele, resolveu cair na gargalhada porque ela assim o fez.

Depois de calculado o valor da compra, Iara tirou por debaixo da manta uma pequena garrafa, tão pequena que tinha a espessura e a altura de trinta moedas colocadas uma sobre a outra. O líquido azul possuía um contraste perfeito com a pedrinha que enfeitava o vidro e se parecia com uma tanzanita de cor esverdeada. Tratava-se, segundo ela, da água mais profunda e mais cristalina da Baía de Guanabara, e era, conforme a crença familiar, águas sagradas. Iara não soube estimar um preço, pois para ela, era como se tivesse que dar um valor a própria voz. Encantado pela garrafinha, Adolfo a arrematou por uma soma considerável, e a compra de Iara saiu de graça. Antes de ir embora, ela lembrou-se de pedir a Adolfo que jogasse fora uma lâmina transparente que brilhava em espectro violeta contra a luz. Adolfo ficou com a garrafinha e a lâmina, que mais se parecia com uma escama gigante.

Certa vez, Adolfo resolveu levar o cachimbo e a garrafinha como presentes para seu sobrinho e neta. O sobrinho, apesar de seus trinta e poucos anos, interessou-se tanto pelo presente que deixou de lado o fumo crioulo e foi logo comprar tabaco para o pito. Nas reuniões de família, passou a contar mais piadas e traquinar pequenas armadilhas contra os adultos e crianças. A neta, por sua vez, com treze anos e pouquíssima obediência, tratou logo de entornar o líquido da garrafinha à vista da primeira oportunidade, não obstante a todos os avisos de que não deveria ingeri-lo. Daí em diante, cresceu apaixonada por música e praia, com uma voz maravilhosa, capaz de arrepiar de emoção qualquer ouvinte, e um corpo encantador, hipnotizante. Um dia mergulhou no oceano e nunca mais foi vista.

Gustavo Scussel