Ainda incrédulo, Jean ansiava por um esclarecimento. Um misto de euforia e incerteza o preenchia igualmente de felicidade e medo. Por um lado, encontrava-se diante de uma oportunidade e tanto; por outro, desconfiava de uma espécie de brincadeira de mau gosto que poderia lhe custar, no mínimo, a dignidade.
— Uma amiga de uma amiga… — explicou Marília, interrompendo a si mesma ao ver a expressão de Jean. Ele, de fato, odiara esse início confuso que ela insistia em repetir. — Não importa — prosseguiu ela. — Eu disse que você tinha fetiche por pés. Ela está interessada. Topa?
Jean passou seu número pessoal. Não diria que havia topado, tampouco o contrário. Inconscientemente, entretanto, já estava cego pela própria imaginação.
Mais tarde, parado no semáforo a dois quarteirões de casa, seu celular vibrou. Atendeu e, do outro lado, a voz fluiu para os seus ouvidos como mel:
— Soube que você gostou dos meus pés…
A surpresa o deixou mudo. O coração, de repente, subiu aos saltos para a garganta.
— Também soube que sua barba é grossa, mesmo quando está feita.
— Bastante — confirmou ele, sem controle sobre a voz.
— Os pelos já estão crescendo?
Jean passou a mão pelo rosto automaticamente, e quando fez menção de responder, o som de uma buzina entrou como uma agulha afiada no interior climatizado de seu carro. O motorista de trás, cantando pneus, o cortou pela esquerda aos gritos.
— Desculpe, eu…
— Está dirigindo, eu sei. Quer o meu endereço?
Respondeu que sim; deu seta para a direita e seguiu rumo ao local indicado. No caminho, tentou chamar a si mesmo para a realidade. Quis se convencer de uma armadilha, repetindo os elementos que julgava relevantes: “a amiga de uma amiga”, o motorista cantando pneus, a ligação extremamente direta que recebera. Tudo em vão. Abandonou os pensamentos ao chegar ao destino.
O porteiro permitiu sua entrada. No elevador, evitou tocar a própria ereção enquanto subia para o oitavo andar. Diante da porta, lembrou-se do aviso dela: “Entre sem bater.” O medo o provocou em pensamento, mas o instinto, desarranjando o bom-senso e reprovando seus próprios receios, o fez entrar.
Encontrou-a sozinha na sala, sentada confortavelmente no centro de um sofá azul de chenile, os pés descansando em um puff.
Ela o recebeu com um sorriso, desligou o celular e o pôs de lado. Dobrou uma das pernas e, lentamente, levantando o calcanhar com carinho, levou um dos dedos do pé à própria boca. O lábio inferior deslizou de baixo para cima, deixando a gengiva à mostra. Sorriu — uma fileira impecável de dentes branquíssimos; repetiu o movimento, dessa vez, com a língua.
Jean esqueceu o resto do mundo: ajoelhou-se no tapete e entregou-se, praticamente por inteiro, àquela mulher cujos pés o seduziram sem o menor esforço.
Satisfizeram-se nessa abstração do sexo, e ele, ouvindo-a pela primeira vez (além dos gemidos), perturbou-se com o recado:
— Volte sempre que o meu marido viajar.
Ele partiu para sempre. Permanecer vivo, afinal, era o seu maior fetiche.
Gustavo Scussel