O apresentador

o_apresentadorJúlia tentou, mas a mãe não deu ouvidos. A criança insistiu:

— É verdade, mamãe! O apresentador conversa comigo!

Olga não deu confiança para a filha. Livrou-se da guimba no cinzeiro, bebeu um pouco de café e pediu desculpas à vizinha:

— Continua doente, coitada. Os remédios devem mexer com a cabecinha dela.

— É a idade! Tem o que? Nove anos? A imaginação está a mil — palpitou a vizinha, soltando a fumaça do cigarro no ar e oferecendo um sorriso à criança. — Está saudável! Olha que cor bonita!

A mãe a despachou de volta para a sala.

“Podemos continuar?”

Júlia olhou confusa para o apresentador e para o cômodo de onde viera. Então, caminhou para perto da televisão de tubo e disse:

— Podemos. A mamãe não acredita em mim.

“Então vamos continuar!”

O homem de pernas curtas, e braços mais curtos ainda, correu em círculos no palco.

“Pronta para o próximo desafio?” Júlia assentiu bem-disposta. “Que bom! Então, vá ao quarto de sua mãe e esvazie a última gaveta do criado-mudo.”

Ela saiu em disparada. Tirou todos os tapetes de crochê e pôs debaixo da cama. Voltou depressa.

“Agora, no armarinho do banheiro, tem um lenço bordado com a letra A em azul. Coloque ele na gaveta que deixou vazia.”

Júlia não encontrou o lenço de primeira. Demorou, e muito, mas cumpriu o desafio. Quando voltou, encontrou a televisão no noticiário da Rede Tupi, e por ordem da mãe, tomou banho e foi para seu quarto.

No meio da noite, acordou em estado febril. Caminhou no escuro em direção a voz exaltada do pai. Ele, vendo a filha vermelha, abandonou a discussão e a pegou no colo. Deitaram juntos e ela dormiu profundamente, sem qualquer sinal de febre. No dia seguinte, acordou sozinha.

Durante a tarde, enquanto a mãe e a vizinha conversavam, o apresentador reapareceu. Lançou o próximo desafio:

“Esconda os seus remédios.”

Ela, obediente, desapareceu com todas as caixinhas.

“Que bom! Que bom! Vamos escrever um bilhete?” Ela escreveu e o pôs onde o apresentador mandou.

À noite, teve febre novamente. O pai, como sempre, abandonou outra discussão e a acolheu.

Durante as tardes, distribuía bilhetes pela casa a pedido do apresentador, e todas as noites, acordava na mesma hora, com febre, no meio de outras discussões dos pais.

Então, certa tarde, o apresentador finalmente propôs o último desafio:

“Plante uma árvore no quintal.”

Júlia pegou a pazinha de plástico e abriu aos poucos um buraco na terra. Cavava feliz quando encontrou um bicho morto. Gritou tão alto que o vizinho do lado a socorreu, e reconhecendo o que estava em um estágio de decomposição avançadíssimo, ligou de imediato para a polícia.

Olga foi presa. O pai voltou para casa às pressas, devastado e ansioso por um abraço na filha. Mais tarde, o apresentador se despediu de Júlia, e o noticiário do dia seguinte falou sobre as mentiras e atrocidades de uma mãe carioca, além da proibição da Talidomida.

Gustavo Scussel