Dezesseis

Ajeitou os travesseiros e fez de cama o banco traseiro do carro. Com dificuldade, se deitou. Por precaução, afivelou a parte de baixo do cinto de segurança ao redor da cintura. Sabia, ainda assim, que não estava seguro, e que dessa maneira o cinto não tinha utilidade. Engana-se quem pensa que os cintos de segurança servem para desacelerar os ocupantes de um veículo em caso de acidente; sua função é distribuir as forças aplicadas durante uma colisão pelas áreas não vitais do corpo, impedindo que as pessoas se choquem contra o painel ou voem pelos vidros. Da maneira como o usava agora — ao redor da cintura, deitado —, o cinto não tinha serventia. Se o veículo batesse, seu tronco giraria gravemente, deixando cabeça e tórax à mercê da sorte.

Hugo sabia muito bem disso, mas outros pensamentos o preocupavam mais. Quando se deitou, abriu um livro e tentou se concentrar na história. Não conseguiu por causa dos pingos de chuva na janela. Cada vez que iniciava a leitura de um novo parágrafo no topo do livro, os olhos acabavam atraídos para as gotas de água que escorriam horizontalmente no vidro, dada a velocidade na qual o carro viajava: mal tocavam a superfície transparente, e o deslocamento de ar as transformavam em espermatozoides. Os flagelos de água pareciam se agitar até encontrar a borracha que vedava o vidro, então desapareciam.

Não havia mesmo como se concentrar no livro. Como deixara aquilo acontecer? Como não pensara em termos de segurança, e não de emoção, momento e euforia? Sabia que os pais confiavam nele, pois era responsável. Na verdade, nunca deixara de ser. Mas aconteceu. Agora, gostasse ou não, teria que lidar com as consequências. Tomar parte em sua cota de responsabilidade, ser franco, honesto, homem. Como? Aos dezesseis anos, todo homem ainda é menino. Como, então, assumir os próprios atos?

O pior de tudo: a menina (aos dezesseis, toda mulher ainda é menina também) sequer era sua namorada. Amiga de classe, diga-se de passagem. Ficaram a sós na casa dela, onde fora apenas para ajudá-la a estudar física. Na matéria, Hugo era excepcional, no pretexto é que não. Assim não resistiu ao laço. A menina já estava mal intencionada. Nem sequer precisou elaborar a armadilha; a nota vermelha no boletim caiu do céu, só precisou pedir ajuda a Hugo. Então, em matéria carnal, foi ela quem deu aula.

Em quatro meses Hugo contaria ao pai sobre a menina, levaria surra e deixaria de ser menino. Como homem, assumiria a responsabilidade. Sem largar os estudos, conseguiria um trabalho de meio período. Finalmente, se emocionaria ao ver o filho nascer. Um menino, quem diria. Para o resto da vida o amaria, e o deixaria sozinho no mundo por causas naturais, coisas da idade mesmo. Filho perfeito, mas de criação, não de sangue. Teria uma vida sem-par, apesar dos pesares, se não fosse o cinto de segurança ao redor da cintura.

Gustavo Scussel