Talião

A mão trêmula dificultou a entrada da chave no tambor. Ele, atrás dela, nada reparou. Luísa destrancou a porta e entrou primeiro, fazendo os saltos dos sapatos ecoarem pela sala vazia. Rubens entrou na sequência, cada passo mais lento que o outro, sem tirar as mãos de dentro dos bolsos da calça. Suspirou fundo, puxando o ar carregado para os pulmões. Como a casa esteve fechada por um mês, encarou o cheiro de abandono (um pouco abafado, embolorado) com naturalidade, até a rinite alérgica obrigá-lo a coçar o nariz. Luísa, ciente das peculiaridades de Rubens, abriu a janela para ventilar o cômodo. Quando se virou, seus olhares naturalmente se encontraram, mas ela logo tratou de desviá-lo. Ele mal teve tempo de agradecê-la, e ela se sentiu ridícula por cortar tão bruscamente o contato visual.

— Então… — começou a dizer Rubens, buscando forças para as próximas palavras. — Venderemos a casa?

A certeza estava na garganta de Luísa, mas o coração a estrangulava. No fundo, não queria assumir nenhuma responsabilidade, nem mesmo aquela descrita no papel, que a tornava proprietária de metade de todos os bens. Quando se casaram, desejara apenas metade do sofá, da cama, da mesa de jantar, da sombra no quintal. Não, Luísa não queria metade da casa, mas a outra metade do próprio amor. E Rubens? Rubens também desejava o mesmo, exatamente o mesmo. E por isso eram metades um do outro.

— Acho que sim — respondeu Luísa. Sentiu-se aliviada e torturada ao mesmo tempo, por dizer a verdade e por ser incapaz de voltar atrás.

Rubens tornou a colocar as mãos no bolso. Por um instante ruminou a resposta da ex-mulher. Inseguro, deu um passo adiante e tornou a parar. Continuavam a certa distância, mas o passo significava um avanço também na conversa.

— Por que fizemos isso com nós mesmos?

Em outra época, Luísa devolveria a pergunta. Agora não. No fundo, estava cansada do que viviam fazendo.

— Porque somos orgulhosos — respondeu ela, arrependendo-se do plural.

Mas Rubens não se ofendeu. Costumava sentir-se afrontado, mas também estava cansado. Ele, melhor do que Luísa, sabia onde tinham errado. Para Rubens, ficara claro o motivo: todo o relacionamento fora pautado na rigorosa reciprocidade de tudo aquilo que julgaram inadmissível — uma pasta de dente sem a tampa; um xampu esquecido aberto; uma pia mal fechada. Agora enxergava isso com clareza, como as plantas dos projetos arquitetônicos que projetava no trabalho.

— Sim, nós somos — concordou ele com serenidade na voz.

Luísa não pôde esconder o sorriso. Concordavam pela primeira vez em anos. Ainda assim, era tarde demais. Quantas brigas foram necessárias para esse momento, para essa compreensão? Quantas vezes tiveram que se tratar como inimigos, e outras quantas tiveram que se afastar pela trégua que as lágrimas exigiram?

Em silêncio decidiram vender a casa. Despediram-se apenas com o olhar diante da porta novamente trancada. Sentiram-se pequenos, ridículos. Não tinham a quem culpar, senão a eles mesmos.

Gustavo Scussel