Ao final da sessão e longe dos adultos, a pequena Tainara ficou em uma mesa onde poderia desenhar à vontade.
A terapeuta infantil perguntou primeiro:
— Alguém contou a ela histórias sobre o bicho-papão?
— Não. Minha mulher e eu não usamos qualquer subterfúgio para educá-la, se é o que está pensando — respondeu Ernane, o pai.
Após um instante em silêncio, a terapeuta externou a situação:
— O monstro que ela descreve é muito rico em detalhes, portanto, alguém certamente a expôs a algum tipo de contato com essa fantasia.
— Também não a deixamos perto da televisão ligada — complementou Ernane.
— Ainda assim, é comum que os pais repitam esse hábito, normalmente herdado dos próprios pais.
Ernane cruzou os braços e rejeitou a possibilidade.
— A senhora a repreendeu alguma vez? — perguntou a doutora Cíntia, atenta ao anel na mão da mulher.
Um sorriso nervoso, e em parte irônico, surgiu nos lábios de Ivone.
— Pouquíssimas vezes. Como madrasta, não me sinto na posição. Em vez disso, sempre conto ao meu marido o que aconteceu para que ele decida o que fazer.
— Por que essa pergunta? — interveio Ernane.
— Algumas vezes as crianças podem falar indiretamente. Sua filha disse que, certa vez, o monstro usava um anel exatamente como o da sua mulher.
Explicada a necessidade de um acompanhamento, marcaram um novo horário para a semana seguinte e foram embora.
Ao chegarem em casa, Ernane esperou a filha ir para outro cômodo antes de ter uma conversa com a mulher.
— Amor, jamais fiz algo pudesse deixar sua filha com medo — explicou Ivone. — Além disso, ela é tão pura, tão educada. Nunca fez falta de educação.
Tainara era, de fato, uma criança exemplar em educação e bom comportamento. Tanto que, na família, todos falavam que havia puxado a paz e o coração da mãe.
Ernane não se convenceu de todo, mas forçou a si mesmo a não prolongar o assunto.
Perto do horário de dormir, Tainara deu novos sinais de ansiedade. Pediu ao pai que dormisse com ela. Não, não; melhor que isso: pediu para que ela dormisse com ele. Para ela, seu quarto, ao anoitecer, tornava-se assustador, a morada de um monstro que a espetava por baixo do colchão e passava sua pata pelo chão de vez em quando.
Após um longo tempo de insistência, intercalado por pedidos cada vez mais chorosos, Ernane aceitou. Dormiram os três na cama: Ivone, ele e a filha, exatamente nessa ordem. Quando a madrugada avançou, sentindo o sono profundo de Tainara, levou-a no colo para o seu quarto, com a certeza de que, na manhã seguinte, quando acordasse, pudesse dizer a ela como o seu medo havia sido infundado, para que, assim, nada mais temesse.
De repente, ouviu os gritos dela. Acordou sobressaltado e correu, mesmo no breu. Não esbarrou em nada, graças a memória motora. Chegou a tempo de acender a luz e ver, sem tempo para assimilar a realidade em meio ao desespero, garras enormes desaparecerem sob a cama, deixando apenas marcas no chão e um anel para trás.
Gustavo Scussel