O ambulante

103058“Tapete! Tapete de crochê! Branquinho e barato! Tapete pras visitas não sujá a casa!”

Antônio acabara de se sentar na tenda de pastel. No meio da feira a céu aberto, diversos ambulantes disputavam à gritos seus produtos. A voz de um deles, entretanto, sobressaía-se. Possuía, de alguma maneira, uma polifonia quase medieval (dada a força do grito) e não combinava com o sujeito que a entoava. Quando os olhos de Antônio encontraram o ambulante, surpreendeu-se ao ver um homem de pouquíssima estatura, gordura escassa e ossos visíveis.

“Tapete! Tapete de crochê! Colorido também! Tapete pras visitas se surpreendé!”

Por essa razão, Antônio não conseguiu parar de observá-lo. O ambulante, a distância, provavelmente se sentiu espionado, tanto que retribuiu o olhar com desconfiança; desconfiança que durou segundos, pois logo se transformou em um largo sorriso. Com passos firmes, seguiu em direção a tenda de pastel, onde, se não fosse pelo cliente em potencial, o próprio estômago o levaria.

— Gostou do tapete, doutor?

— São bonitos — respondeu com educação, encarando os coloridos.

O pastel que Antônio pedira, chegara ao mesmo instante. De soslaio, notou que o ambulante engoliu a seco.

— Aceita?

O rapaz esbugalhou os olhos.

— Não, doutor. Obrigado. É feio pedir comida dos outros.

— Você não pediu, eu quem ofereci.

— Nesse caso — começou a ponderar o vendedor —, aceito sim.

— Pois tome — disse Antônio. — Sente-se. Coloque os tapetes no banco ao lado. Refrigerante? — ofereceu.

— Ô, doutor, assim o senhor me deixa sem graça.

Antônio deu de ombros: pegou um copo descartável e o serviu. Depois, estendeu a mão.

— Firmino — cumprimentou de volta o ambulante, assim que limpou a mão na calça.

— Nome forte, como a voz!

— Só a voz, doutor.

Antônio conteve a vontade de rir. Então, perguntou:

— O tapete é bom?

— O melhor do estado.

— O melhor? Quem faz?

— Se eu contar, o doutor não vai acreditar.

— Doutor, não. Antônio — corrigiu com bom humor.

Firmino desculpou-se, depois deu uma golada no refrigerante.

— Seguinte, seu Antônio: meu pai é criador de ovinos. Ovelhas, sabe? Pois bem, na chácara onde moramos, tem um aprisco. É igual estábulo para cavalo, mas esse é próprio para ovelha. Desde mocinho, ele sempre cuidou das branquinhas. Até aprendeu a conversar com elas de igual para igual. Tanto que, outro dia, elas contaram que o aprisco estava cheio de aranhas. Não queriam, por nada nesse mundo, pousarem lá. Meu pai achou que fosse frescura e lá trancou todas. Na manhã seguinte, amanheceram despeladas. Ele correu para o aprisco e me gritou. Tinha aranha por todo lado, um horror! Mas o senhor há de acreditar na verdade! As aranhas estavam todas organizadinhas no teto, uma ao lado da outra, fazendo os tapetes. Tinha até aranha usando óculos, toda concentrada e profissional.

Antônio caiu na gargalhada.

— As aranhas fazem os tapetes?

— Sim, senhor. Tecedeiras, ainda por cima. E desempregadas.

— Desempregadas?

— Essa crise no Brasil…

Gustavo Scussel