Brincava na floresta com os amigos quando, de repente, rolou barranco abaixo. Tão logo se endireitou, viu, à distância, uma deslumbrante jovem nua agachada diante de um riacho. Antes mesmo de formular qualquer pergunta para si mesmo, Murilo sentiu, de súbito, uma pontada dentro da cabeça, e não entendeu o porquê dessa sensação de atordoamento, tampouco o motivo pelo qual seu corpo parecia tão leve após a queda. De qualquer forma, ignorou o próprio estado, pondo-se sentado sobre os calcanhares para contemplar a vista.
Todo o conjunto o atraiu: a exuberância daquele pedacinho de floresta completamente desconhecido, onde as marolas do riacho brilhavam prateadas e as águas calmas resplandeciam em tons azuis esverdeados; o jardim incrível, colorido, mais belo do que o jardim da varanda de sua casa, e mais cheio de orquídeas, tulipas e até mesmo lótus; onde, também, havia essa mulher nua, de pele alva e cabelos escuros volumosos, tão volumosos que pareciam-lhe pesar os ombros a ponto de deixá-la um pouquinho corcunda.
Tudo o encantou de maneira inigualável, até perceber, no rosto da mulher, uma lágrima escorrendo por sua bochecha. Não parecia (ele reconheceu de imediato) a lágrima de um choro incontido, de uma dor extrema ou alguma angústia, mas sim a lágrima de um arrependimento que nos assalta nos momentos em que não encontramos motivos para sorrir e estamos completamente vulneráveis, sensíveis.
Um desejo inexplicável de ampará-la brotou em seu íntimo. Queria perguntar, se possível, o que a afligia, se sentia frio, se estava perdida na floresta. Assim, colocou-se de pé com o intuito de contornar o riacho. Estava pronto quando, para sua surpresa, o pequeno rio secou. Talvez por isso, pensou, nunca o notara antes — o rio surgia e desaparecia naturalmente. Então, determinado e cheio de confiança, caminhou em direção a ela.
— Você está bem? — perguntou Murilo.
Ela não fez menção de responder, enxugar a lágrima ou cobrir os pudores quando se levantou. Em vez disso, devolveu, com uma voz fria e distante, as mesmas palavras:
— Você está bem?
O garoto respondeu sucinta e educadamente, e então complementou:
— Está perdida? O que faz aqui? E por que não está vestida?
Com um olhar sutil de piedade, ela ergueu o pulso em que segurava uma flor e a cheirou.
— Não conhece este lugar? Este é o Jardim da Vida, onde cada uma dessas flores — disse, abrindo um dos braços como uma bailarina — representa uma alma no mundo.
Surpreso, e inocentemente feliz por sua descoberta, ele perguntou:
— Por que nunca vi este jardim antes?
A mulher suspirou e hesitou. Por fim, pesarosa, disse:
— Porque agora você não caminha mais entre os vivos.
A resposta o roubou a alegria anterior. Entendera corretamente? Como seria possível, se brincava com os amigos havia pouco tempo?
— Minha mãe… — disse Murilo, após certo tempo, os olhos inteiramente marejados. — Minha mãe pediu que eu tivesse cuidado. Por que eu não tive? Por que eu a desobedeci? — O choro e os soluços vieram com força. — Por que eu fiz isso com a minha mãe?
Ela sabia que ele tivera cuidado, e por isso segurava as próprias lágrimas e sentia-se culpada: porque fora ela que pisara em sua flor, como se tivesse sido empurrada enquanto desviava cuidadosamente dele.
Quando seus olhares se encontram novamente, ele perguntou:
— Para onde devo ir?
Girando o corpo em silêncio e caminhando cuidadosamente entre as flores, ela parou e se agachou diante de um lótus de bordas brancas e miolo escuro.
— Essa flor — disse, e então suspirou. Parecia querer desabafar. — Veja essa flor: trata-se de uma alma jovem, mas gananciosa, cheia de preconceitos, imprudente e sádica. Conhece alguém assim?
Murilo limitou-se a ouvi-la, embora conhecesse alguém assim — um de seus amigos possuía exatamente a mesma personalidade.
Ela prosseguiu:
— É uma pena que uma alma como a sua tenha que ir no lugar de outra que está perdida.
No que parecia um ataque de raiva, a mulher arrancou o lótus com selvageria, fazendo Murilo pular de susto. Ainda com raiva, cavou um novo buraco com as mãos e plantou, em seguida, a flor anterior que segurava. Virou-se bruscamente e sujou os olhos do menino com terra, obrigando-o a fechá-los, e ordenou:
— Volte pelo caminho que o trouxe aqui.
Cheio de medo, do coração acelerado no peito e da terra que não lhe permitia enxergar, ele a questionou:
— Como? Eu não consigo ver!
— Não abra os olhos — vociferou ela. — Confie nos seus passos!
Ele, em pânico, deu passos incertos para longe dela, rumo ao local de onde viera.
Um grito o resgatou:
— Ele está vivo! Ele está vivo!
Enquanto focava a vista, o melhor amigo logo tratou de informá-lo do ocorrido:
— Adivinha quem te empurrou barranco abaixo!
Murilo olhou rapidamente para todos, mas não viu aquele que o empurrara. E então, esquecendo-se completamente do que lhe acontecera, correu como se suas pernas o guiassem para onde seu quase-assassino se encontrava, no chão, sem vida, com uma serpente presa ao pescoço que ninguém ouviu se aproximar, tampouco arrastá-lo.
Gustavo Scussel