A festa

Havia, entre eles, cinco anos de diferença. Além da idade, também a personalidade em eterna dissensão. Ele, com vinte e três, era o mais velho; ela, com o espírito pessimista, era a mais discordante. Assim sendo, encerravam-se as divergências. O que surgia, então, era a harmonia. Quando abreviavam o mundo a apenas eles mesmos, tornavam-se aliados em uma transferência mútua e velada de atenção primorosa, olhares carinhosos, palavras doces e carícias amáveis. Esqueciam-se de quem eram, gozavam de uma sucessão agradável de gargalhadas, pois juntos sabiam rir, e muito, e jogavam para escanteio o parentesco de primeiro grau.

Simetricamente, eram orgulhosos. Gostavam-se, mas recusavam-se a confessar. Desconfiavam, cada qual em segredo, que combinavam, inclusive suspeitavam de que tinham uma inegável e perfeita sintonia, algo cada vez mais irrefutável à medida em que passavam o tempo juntos. A sós um com o outro, entretanto, mal ficavam, e quando ficavam, sujeitavam-se sempre aos olhares dos familiares. Desses, alguns sempre os julgavam bonitos juntos, e exclamavam, coincidentemente, sobre como combinavam. Acerca do comentário, ele sorria, ela desdenhava. Quem censurava, contudo, eram os pais.

Se os dois morassem próximos, teriam mais facilidades. Os quatrocentos quilômetros que os afastavam, restringiam seus encontros a quatro, cinco, no máximo, por ano. Invariavelmente, reuniam-se ou no Natal ou na virada de ano. Em julho, sempre. As outras duas (às vezes três) viagens restantes, ficavam a cargo da coincidência de um feriado que prolongasse o final de semana. Nunca se encontraram no aniversário de qualquer um dos dois. Isso, até o último ano, quando a Proclamação da República, data em que ele nasceu, caiu em uma segunda-feira.

A família dele pegou a estrada no sábado. No dia seguinte, como de costume, bem cedo, ele foi acordá-la em casa. Cumprimentou primeiro os tios, depois entrou no quarto. Reconheceu-a de bruços, envolta no lençol, pernas esticadas ao longo da cama. Inclinou-se sobre o colchão. Com suavidade, acariciou o cabelo e a bochecha. Ele gostava de vê-la assim, dormindo. Enfim ajoelhado, levou a boca até seu ouvido. Chamou baixinho o nome dela, roçando de leve os dedos em seus ombros. Ela não acordou. Nunca acordava de primeira mesmo. Ele não insistiu imediatamente. Em vez disso, procurou mimá-la mais um pouco, alimentando seu sono com toques cheios de amabilidade. Tornou a aproximar os lábios de seus ouvidos. Ela despertou, forjando um desgosto falso pelo sono interrompido e dando recesso a felicidade em tê-lo ali.

Foram juntos para a sala e ligaram a televisão por ligar. Tinham muito a colocar em sintonia, a despeito da diferença de idade e a personalidade em eterna dissensão. Assim fizeram por um longo período, mesmo quando os pais dela saíram. A conversa, o sorriso, os olhares, a atenção, tudo sublimou. Elevaram-se tanto que se igualaram ao selarem os lábios. Encerraram o dia separados, mas profundamente felizes, o íntimo em festa.

Na segunda-feira, todavia, ela não foi ao aniversário dele.

Gustavo Scussel