A mulher do outdoor

Dirigia quando reparou. Olhou duas vezes, incrédulo. Mas a certeza foi implacável: conhecia, sim, a mulher exuberante e seminua que esbanjava toda sua beleza e sensualidade naquele outdoor. Quis, claro, apreciá-la por mais tempo, mas como não podia frear em plena avenida, sentiu-se obrigado a carregá-la na memória. Seguiu caminho desconhecendo o próprio futuro intimamente ligado àquela foto.

Márcio andava, dias a fio, com o final de um soneto na memória. “Entrego o corpo lasso à fria cama”. Não sabia se seria do Oto Lara ou Fernando Pessoa. Ou de um outro. De qualquer forma, não precisava da resposta. O que importava era a frase e a mulher, pois, finalmente, um dera sentido ao outro.

Quando a encontrou na pista de corrida que frequentavam ocasionalmente, não resistiu. Ele, cortês ao extremo, mascarando o entusiasmo delirante que a presença dela lhe causava, perguntou, mais para fazê-la saber que ele sabia, do que para confirmar o que era certo:

“É você mesma? Sabe… no outdoor daquela avenida?”

Manuela não escondeu a satisfação. Ser notada, observada e reconhecida eram, sem dúvida, elogios poderosos.

“Gostou?”

Márcio suspirou profundamente diante da pergunta e dos olhos dela, e em seu sorriso havia algo de malicioso, quase picante. Incapaz de disfarçar, afastou-se um pouco. Correram em sentidos diferentes — ele, dela, da súbita insegurança que sentiu na presença dela; ela, por outro lado, correu para não ser influenciada por aquele sorriso malicioso, e para ser notada, observada e reconhecida pelos outros na pista.

Encontraram-se novamente ao final de alguns quilômetros corridos. Manuela inclinou-se para abraçá-lo (a diferença de altura dispensava comentários), e Márcio provou o suor salgado de seu rosto. Ela, em uma ternura melíflua característica, derreteu em seu ouvido:

“Precisamos nos encontrar mais vezes!”

Voltou para casa seduzido e debilitado (pelo esforço físico da corrida e pela ideia de um encontro realizado já mil vezes desde que ouvira essas palavras). Ainda assim fantasiou, durante o banho, a extensa imensidão das pernas de Manuela que, naquele outdoor, mostrava-se de uma textura indescritível, de uma firmeza incomparável.

A masturbação não deu resultado como paliativo. Pelo contrário: o desejo tornou-se maior. Deitado, resgatou os detalhes dos olhos, da boca, da lisura do ombro, do cabelo, da pele, das tiras negras da lingerie, da curva dorsal. Mas, de repente, atravessando-lhe os pensamentos, veio a figura do marido — Manuela era casada. Desde que a vira seminua no outdoor, esquecera-se, acidentalmente, deste detalhe. Então, o desejo (competindo com essa terrível lembrança) deu lugar a uma angustiante insatisfação que, por sua vez, transformou-se em inveja e, por fim, converteu-se em uma curiosa cobiça voyeurista. Em vez de odiá-lo, Márcio se colocou na pele do outro, deitando-se à cama com ela, abraçando-a por de trás, as costas e o seio, sentindo o final daquela curva na própria virilha, passando a beijá-la na nuca, colhendo, dela, doces suspiros de um sono interrompido. Penetrou-a assim, de lado, quase romanticamente. Adormeceu excitado e, sonhando, dominou-a sendo ele mesmo, e não o marido.

Encontraram-se novamente na pista de corrida. Coincidência ou não, iniciaram a atividade lado a lado. Manuela, sendo uma pessoa naturalmente amistosa, prendeu-lhe em um diálogo delicioso. A bem da verdade, Márcio adorava ouvi-la — algo em sua voz o hipnotizava, e as palavras que deixavam sua boca lhe pareciam, ao mesmo tempo, líricas e sensuais.

Enquanto corriam, Márcio sondava o olhar das outras pessoas. A maneira como homens e mulheres olhavam primeiro para ela, e somente depois para ele, o enchia de um orgulho incompreensível.

Os encontros se repetiram outra meia dúzia de vezes até, finalmente, culminarem em uma oportunidade que, pelo menos aos olhos de Márcio, parecia imperdível. Ele, que amava viajar e conhecia um ou outro canto diferente, viu-se diante de um convite incompleto. Manuela dissera:

“Queria passar um tempo com você, ouvir sobre suas experiências ao redor do mundo, absorver um pouco da sua inteligência.”

Ele, subitamente corajoso, emendou:

“Amanhã! Amanhã eu fujo do trabalho! Fujo e te busco!”

Manuela, um pouco assustada, respondeu:

“Mas, meu bem, veja, amanhã não posso. Trabalho e… você sabe. Não posso.”

“Uma tarde! Só uma tarde!”

Esta condição sôfrega veio do coração palpitante. Parecia-lhe, no íntimo, que estava caminhando para um momento inédito. Ou melhor: para o momento dos sonhos.

“Uma tarde?”, investigou Manuela. “Depois me leva ao serviço novamente?”

“Claro! Busco e levo.”

“Mas…”

“Arrumo um lugar.”

Combinaram o horário. Ela ainda ressaltou:

“Vou fugir do trabalho e… Você sabe, tem que ser rapidinho.”

Márcio passou boa parte da noite em claro. As poucas vezes que dormira e sonhara, pareceram-lhe, de repente, mais reais do que a própria realidade. A possibilidade de estar com Manuela por uma tarde, ainda que os desdobramentos daquele encontro fossem apenas frutos da própria imaginação, soava-lhe, irremediavelmente, como uma chance de ouro, uma em um milhão, um verdadeiro prêmio de loteria. E enquanto refletia sobre isso, o sol nasceu, e quando dera por si, tomava o segundo banho, prestes a encontrá-la.

No carro, Manuela foi de um tratamento intencionalmente primoroso. Márcio a ouvia encantado, hipnotizado. Sentia, também, um frio na barriga original, semelhante àqueles do primeiro beijo, do primeiro amor, ou… da primeira transgressão.

Seguiu com o mesmo sentimento até o portão de entrada do motel, quando Manuela demandou satisfações:

“Mas aqui? Um motel? Nem pensar!”

Márcio por um instante pensou em um pedido de desculpas, mas foi sensato:

“Aqui teremos liberdade para conversar. Apenas conversar”, reforçou.

Ela, por sua vez, tornou ainda mais robusta a afirmação de Márcio:

“E da conversa não passará!”

Do lado de dentro, devidamente trancados no quarto, o instante anterior evaporou-se. Ignorando a cama (embora ambos a notaram em primeiríssimo lugar), ocuparam uma mesa, e a leveza do diálogo preencheu o ambiente. Mas passado um milésimo de tempo, Márcio não mais a escutava, pois passou a travar, internamente, uma luta de vida ou morte. Queria, em primeira instância, uma definição, para si mesmo, daquele momento: era, de fato, apenas uma conversa a dois? Ou poderia ser algo mais, se ele tentasse algo? Mas… e se fosse rejeitado, excluído ignominiosamente até dos pensamentos daquela mulher? Valeria o risco?

Diante da dúvida e de todos os receios, Márcio perdeu o autocontrole: levantou-se e beijou-lhe a boca no meio das palavras. Ela, de lábios colados aos dele, pôs-se de pé. A diferença de altura pareceu ainda maior. Ou, por outra: Márcio se sentiu ainda menor, por vergonha e arrependimento. Então Manuela o esbofeteou. Uma única vez. Aquilo que temia, pensou Márcio, acabara de acontecer. Mas antes que ele pudesse mergulhar em um pesar profundo, ela disse:

“Nunca fiz isso, mas…”

Foi ela quem o tomou pelos lábios. Caíram juntos na cama. Márcio excitou-se de imediato. A graça daquele momento, daquela agressão justa, merecida, cedendo lugar à loucura, ao desejo oportunista, contraditoriamente visível e, até mesmo, risível, encheu a ambos de um tesão indizível.

Sumiram com as roupas às pressas. Márcio aventurou-se dos calcanhares ao escaninho de Manuela. Sentiu-se completo após essa jornada, sedento. Lançou-se entre as suas pernas dela como se dali pudesse beber toda a água que lhe faltara em um deserto onde nunca pisara. Separou-lhe os lábios íntimos sem tocá-la com um dedo, demonstrando uma perícia inigualável.

Manuela enroscou as pernas sobre os ombros dele, prendendo-o a si. Desejava sim, sem sombra de dúvidas, entregar-se até o fim às delícias que aquela língua lhe provocava. Era como se Márcio não apenas tivesse uma língua afiada para a escolha das palavras (ela sempre admirara o modo como ele se expressava), mas também como se revelasse todo seu conhecimento sobre os mínimos meandros das mulheres — ou melhor: dos meandros dela, pois como a chupava! E o modo como recebia aqueles movimentos que, de quando em quando, pareciam esbarrar em seu ponto mais sensível, era, ao mesmo tempo, uma ultrajante insinuação do prazer que lhe estava sendo negado e oferecido, e uma afronta sem-vergonha de uma tortura que a punha a ansiar pelo clímax imediato — afinal, ultrapassada a única barreira que a separava do cotidiano ordinário, o tempo ali era tão precioso quanto curto.

Márcio interpretou bem o apelo do corpo e da respiração de Manuela. Com uma sutileza extraordinária, enfiou-lhe apenas um dedo, e sem descolar um único segundo a própria boca do esconderijo em que se encontrava, passou a massageá-la internamente.

Uma confusão deliciosa de sensações a dominou. O calor, acompanhado de um desejo propenso a uma convulsão, irradiou-se dos próprios quadris em direção as extremidades. Estava em estado febril, entregue, pronta para o orgasmo. A língua só deveria tocá-la ali, ali mesmo… e… somente… ali! Arqueou-se e… inevitavelmente sentiu os membros desmoronarem. Gozou tanto quanto… nem se lembrava mais quando.

Vê-la de pernas e braços abertos, com a respiração ofegante e as pontas dos seios rijos, promoveu ainda mais vigor à ereção de Márcio. Tanto que, no ímpeto, sondou os lábios íntimos com a rigidez perfeitamente acomodada entre os dedos, pronto para desfrutá-la inteiramente. Entretanto, para sua surpresa, Manuela o subjugou com uma facilidade assustadora, pondo-se sobre ele, buscando, por si própria, o encaixe entre seus corpos.

Por cima, ela o beijou com urgência, uma fome escancarada de desejo. A saliva que trocavam servia, a cada um, como um afrodisíaco. Ambos se sentiam com perfeição e havia, de fato, uma juntura intrigante, perfeita na imperfeição das medidas. Ela deslizava com suavidade, e o calor duro a preenchia por dentro; ele, por sua vez, sentia as longas pernas dela se esfregarem para muito além do seu quadril, dominando-o por completo. Gostou de tê-la no comando, dona do prazer dela e, também, dele, ainda que custasse a se segurar.

Quando não se beijavam, Márcio cerrava os lábios ao redor dos impressionantes seios de Manuela. Segurava o orgasmo por ela, e não por ele, mas sempre que a tocava e beijava, flertava com o limite, com o precipício do clímax.

Ela, por vezes, ofereceu-lhe o seio, desabou sobre seu rosto. Deu-lhe tudo, em todas as circunstâncias, e presenteou-lhe, em um agradecimento mudo, com um novo orgasmo, intimamente agradecida pela disposição e, principalmente, pela posição, pela rigidez e paciência — afinal, por cima, Manuela sabia da velocidade que mais a agradava, que mais a excitava e… como homem algum havia aguentado como Márcio mostrou aguentar. (E esse segredo era só dela.)

E como recompensa — dessa vez, sim, estando a verdade presente no “nunca fiz isso” —, pediu a ele que derramasse na boca dela o que facilmente poderia ter sido jorrado em seu interior, e engoliu, com surpreendente satisfação, tudo o que recebeu.

Gustavo Scussel