Helena apegou-se à poesia como forma de amenizar o eterno estado transitório da própria vida. Via, nas palavras, versos e estrofes, não apenas uma forma de harmonizar sentimentos em constante deslocamento, como também uma maneira de desacelerar o tempo, quiçá congelá-lo. Tinha esse controle a qualquer instante, bastavam-lhe as próprias palavras. Poderia ler a si mesma em cada composição poética; ou reviver, ainda que pelo breve espaço de uma poesia completa, a vida de antigamente; ou respirar, onde quer que estivesse, o mesmo ar de outrora; ou apaixonar-se, outra vez, pela inspiração platônica do último soneto; ou, ainda, acalmar, repetidamente, a dor de uma nova mudança.
Não era do insólito filosófico que ela fugia, da efêmera definição de tempo, mas sim de algo maior, ainda sem nome, indefinido. Afinal, nunca tivera tempo para identificá-lo. Dissecar qualquer sentimento incerto e abstrato demanda introspecção, tino e, por vezes, intuição. Ou colegas, amigos, pessoas ao alcance das palavras reais, não virtuais. Faltavam-lhe ambos, entretanto; tempo principalmente. Entre fazer, fechar e reabrir malas; esvaziar, abandonar e preencher guarda-roupas; desfazer, empacotar e redecorar quartos; esquecer, apagar e conhecer pessoas; entre cada ciclo que se repetia diante de outra mudança, tudo se consumia nessas pequenas ações rumo ao novo. Mas do novo — nova casa, novos amigos, novos ares, ruas, calçadas e até bancos de praça — Helena já estava cansada.
Na última cidade em que morou, conheceu o primeiro grande amor. Em outros cantos do país, tivera apenas lampejos de possíveis amores. Nunca se arriscara a amar. Quando o sentimento surgia, logo escapava e assim se preservava. Mas, da última vez, rompeu os próprios padrões. Arriscou cheia de coragem, entregou-se e amou por completo, e colheu a mesma dedicação e sentimento. Outras mulheres, em seu lugar, jamais o fariam. “Se logo vou me mudar, por que me envolver?”, perguntariam a si mesmas. Helena soube ir além, e como recompensa, soneteou a própria história isenta de clichês, e em nenhum verso, “amor” rimou-se a “dor”, mesmo quando os pais, em seus imutáveis ternos bem alinhados, anunciaram o próximo destino.
Conforme a regra, mudou-se novamente, mas não pôs fim ao relacionamento, comprometida a sustentar o amor à distância. Em vez das formas eletrônicas de contato, preferiu as cartas. Compôs poemas perfeitos, versos impecáveis e cíclicos como o nascer e o pôr-do-sol. Escreveu assiduamente por semanas, os primeiros rascunhos sempre a beira-mar. Os pais declararam o fim das mudanças. Levou essa certeza, e também o caderno, para a areia, onde se sentiu como uma âncora, inarredável. Apreciou tanto a sensação que fechou os olhos. Então, subitamente, ouviu:
“Essência de poesia
Perfumada com maresia
É livre de dor e agonia”
Sorriu, poeticamente, para as palavras, e consequentemente, para o rapaz que as proferiu. Quando ele se sentou ao seu lado, a âncora de Helena se rompeu. A consciência não desejava mais nenhuma mudança, mas o coração sim — a alma de sua poesia, afinal, amava o transitório.
Gustavo Scussel