O pânico foi crescendo aos poucos. Para Miguel, era como se a morte estivesse presente naquele pequeno inseto. E, de fato, estava: uma picada e… Crispado, afastou o pensamento. Morrer, nem pensar! Pegou seu kit de emergência, encontrando a Cortisona e um inalador para desobstrução brônquica. Então, sentindo uma nova onda de terror, perguntou a si mesmo: “Onde está a caneta de Epinefrina? Onde está?”
A abelha, por outro lado, tão logo passou a porta, manteve um voo suave e indiferente, quase em câmera lenta. Girou acrobaticamente uma, duas vezes; não foi em direção a janela. Subiu quase ao teto e, descendo com destino certo, pousou no ombro daquele homem.
Miguel perdeu todas as forças, a vista escureceu rapidamente. Sem a caneta de Epinefrina, tinha a si mesmo como um homem morto. E quando ouviu uma voz estranha em seu ouvido, teve, praticamente, a absoluta certeza de que se encontrava no céu.
A voz ecoou novamente:
— O que deseja, mestre?
Manteve os olhos fechados. Uma vontade mórbida de rir enchia-lhe o peito. “Estou morto, mortinho”, pensou outra vez. Estava, entretanto, enganado, e a voz o assegurou da realidade:
— Mestre, vejo que o senhor não passa bem. Embora nós, abelhas, não possamos fazer muito caso venha a desmaiar, dou-lhe a minha palavra de que tentaremos ajuda-lo. Juntas, podemos ligar para os bombeiros, caso seja necessário, mas infelizmente não seremos ouvidas, pois não há outro na Terra, senão o senhor, que ainda é capaz de nos escutar.
Dessa vez, teve outro pensamento: “Ainda não morri! Na verdade, sofro os delírios da ferroada. É isso!”
A abelha prosseguiu:
— Ou, se preferir, posso ferroa-lo.
Diante disso, e tomado por uma súbita coragem, Miguel enxotou o inseto com brutalidade.
— Vá embora! Agora!
Pairando diante de seus olhos, a abelha foi categórica:
— Mestre, permita-me esclarecer…
Então, explicou-lhe sucintamente a verdade e, também, o motivo pelo qual Miguel sempre fora levado a acreditar que era alérgico a certos insetos himenópteros, apídeos e meliponídeos.
Assim, passando de um instante para o outro, de um sujeito comum a Rei das Abelhas, e lembrando-se do ódio que alimentava pela vizinha, uma senhora arrogante e infame, odiosa à todas as crianças do bairro, assim como fora para ele quando mais novo, requisitou seu primeiro desejo:
— Matem-na!
— Pois bem, mestre — disse a Abelha-Conselheira, compreendendo, de imediato, o sentimento presente naquele pedido. — Seja paciente e o atenderemos.
Um exército foi convocado e, ao longo de um mês, as abelhas transformaram o jardim seco e esquecido da velha senhora, em um pequeno éden de espécimes botânicos dos mais coloridos e variados, e de tal forma ocorreu a mudança, que a própria mulher, outrora desprezível, floresceu e transformou-se em outra.
A Abelha-Conselheira levou a notícia a Miguel:
— Está morta, mestre.
Esse, vendo-a mais viva do que nunca, rebelou-se, pedindo explicações imediatas, ao que lhe foi respondido:
— Mestre, o ferrão que carrego não me deixa mentir, e por isso posso assegurar: não há violência que faça o mundo melhor.
Gustavo Scussel