Casaram-se há cinco anos e comemoraram em grande estilo Bodas de Ferro. O relacionamento funcionava perfeitamente bem, admitiam os casados e as famílias. Eram, conforme diziam, todos os clichês possíveis: unha e carne, taça e vinho e outros tantos pares complementares.
Quando se conheceram, Dámaris foi enfática, quase arrogante:
— Sou feminista e não tolero machismo!
Marco deu risada e topou o desafio; era, na verdade, ele mesmo quem se desafiava. E mais: contava como certa a vitória, pois pensava que somente ele possuía o que, segundo a própria opinião, faltava à ela.
Em poucos meses, no entanto, Marco se apaixonou. Juntos, mudaram-se. Na prática cotidiana, percebeu que Dámaris falava à sério: os afazeres domésticos sempre foram igualmente partilhados, algo que, no início, Marco estranhou e sofreu, pois a mãe sempre o tratou como rei; o direito de sair com os amigos e amigas, idem; entre outros. Nos mínimos detalhes, Dámaris mostrava-se sempre firme aos seus ideais feministas, principalmente no que dizia respeito aos direitos iguais.
De fato, tais princípios foram, pouco a pouco, entrando na cabeça de Marco. Surpreendeu-se certo dia quando, no bar, levantou a bandeira feminista diante da mania dos amigos de objetificarem a mulher. As conversas, que sempre giravam em torno de futebol e mulher “tem que” isso ou aquilo, já o irritavam profundamente. Mulher não “tem que” nada, pensava; tem mais é que fazer o que lhe der na telha, e ponto.
Não foi, no entanto, nessa ocasião que Marco perdeu os amigos, mas sim quando passou a repudiar a traição, influenciado pela opinião da mulher. Os amigos traíam, com frequência, as namoradas e esposas, e dedicavam, invariavelmente, momentos e brindes gloriosos às próprias façanhas. Quando demonstrou seu asco aos companheiros (sempre foi fiel), eles o encararam com cólera; insinuaram que já foi mais homem e o zombaram. Foi embora revoltado. Teve, então, com Dámaris, uma fervorosa discussão acerca do machismo da sociedade, desprezando os amigos. Ela apoiou e concordou. E quando falaram sobre infidelidade, foi objetiva: “Inaceitável!”
Marco mudou radicalmente. No lar, cuidava de tudo. Limpava todos os cômodos e deixava particularmente impecável o banheiro. Ela, a bem da verdade, foi pega de surpresa, e gostou das regalias. Como casal, melhoraram incrivelmente, e os anos passaram voando. Assim, finalmente, completaram cinco anos de casado.
Na festa de Bodas de Ferro, entusiasmado e cheio de felicidade, brindou à Dámaris. Teve o cuidado de não chamá-la de “mulher de verdade”, evitando limitá-la a algum padrão. Discursou a favor dos direitos iguais e deu a receita para o casamento feliz: “Dividir tudo e ser fiel! É o bastante!”
Ao final da festa, antes de se deitarem, Dámaris, gravemente, anunciou:
— Precisamos conversar.
E então, covardemente, sem esperar pela atenção do marido, confessou:
— Tenho outra pessoa.
Ele, assustado:
— Há quanto tempo?
— Três anos.
Dámaris, determinada, acrescentou:
— Vou embora. Não mereço você.
Marco, distante das nuvens, ferido, ainda perguntou:
— Por que fez isso? Por que me traiu?
— Porque achei que me traísse também.
Gustavo Scussel