No ringue

Glória entrou sorrateiramente no ginásio de boxe e, do lado de dentro, procurou um lugar distante do ringue para se sentar. Àquela hora da manhã, ficou surpresa ao encontrar um par de pessoas trocando socos sobre a lona, assim como sentiu um prazer inesperado por isso. Se seu informante estivesse correto, então teria algumas respostas. A simples expectativa em obtê-las, finalmente, fez suas pernas gelarem. Tudo agora dependia de sua paciência.

Os dois homens no ringue eram visivelmente mais velhos, como os próprios cabelos grisalhos denunciavam. Glória os distinguiu pela pura observação. O homem de roupa e luvas pretas parecia ser o treinador; já o outro, de camiseta cavada branca, short e luvas vermelhas, poderia ser o… Bem, melhor não se precipitar, pensou ela.

— Já está cansado, velho? — perguntou o homem de luvas pretas, cheio de deboche.

O senhor não respondeu. O suor lhe brotava da testa e descia pelo rosto quase imediatamente. Os braços e os ombros brilhavam em virtude da transpiração, e a camiseta já estava colada ao peito como um pano de chão completamente úmido. Quando ele finalmente respondeu, Glória sobressaltou — se de medo, preocupação ou pura cisma, não soube identificar. A voz do homem era forte e densa, com um quê irritadiço.

— Isso é tudo que você tem para hoje? Hein, velho? — tornou a provocar o homem.

De repente, o senhor de luvas vermelhas se agigantou. Saiu da posição de guarda e arremessou um punho atrás do outro em linha reta, girando cada braço para dentro até atingir a extensão máxima, recolhendo-os rapidamente para perto do queixo. Os golpes não pareciam potentes, mas eram rápidos e eficazes. Pouco a pouco o zombeteiro foi se afastando, se defendendo e se aproximando do corner. Ao encantoar o oponente no ringue, substituiu os jabs por cruzados, golpes perfeitos para curtas distâncias. Cada vez que impulsionava o cotovelo para cima, girava o tronco e soltava o soco usando somente o peso do corpo. Encaixou bons golpes assim, até tentar executar um gancho de baixo para cima, como uma alavanca. Glória agitava o joelho inquieta.

A luva vermelha passou longe do rival, que demonstrando agilidade, ainda se esquivou da trajetória de outros dois golpes e contra-atacou com um soco perfeito, quase que frontal, no estômago do adversário. As luvas vermelhas abaixaram, evidenciando como o murro fora bem aplicado. Ao ver o velho bufar, avançou. Jabs, cruzados, diretos e ganchos provocavam pancadas sonoras. O joelho de Glória agora se agitava ainda mais. Há pouco torceu pelo senhor de luvas vermelhas. Agora, torcia pelo de luvas pretas. Mas também desejou que os golpes não atordoassem nenhum dos dois, simultaneamente.

A verdade é que somente Glória estava aturdida. Perturbada, para ser mais exato. Ela imaginara esse momento muitas e muitas vezes. Não exatamente esse, mas aquele que a aproximaria da verdade. Fantasiou possibilidades, como qualquer pessoa faria. Nenhuma delas, no entanto, sugeria ver o pai apanhando, mesmo profissionalmente. Agora, ainda assim, restava responder: qual dos dois era seu pai?

Gustavo Scussel