Giovanna e Thalisson eram amigos havia três anos e, por quase o mesmo período, tinham uma espécie de amizade colorida, ainda que fosse assim apenas virtualmente. Encontravam-se, sim, mas não se entregavam. Nada de abraços, beijos e lençol. Flertavam, mas apenas no aplicativo de mensagens. Às vezes trocavam fotos. Não exibiam muito. Sugeriam, seduziam; ou melhor: Giovanna seduzia, pois Thalisson abusava do conteúdo explícito. Desejavam-se, sem dúvida. Mas ela tinha medo — medo de não gostar, ou de gostar; de estragar a amizade ou querer algo mais. Entretanto, na situação em que se encontravam — em plena pandemia, sem qualquer relação física havia quase um ano —, bem, era evidente o próximo passo.
Ela elaborou um contrato, inicialmente como brincadeira. Sem valor no cartório, mas com um fundo de verdade. Se funcionasse, maravilha. Em suma, o contrato dispunha: Thalisson se colocava à disposição de Giovanna, dia e noite (especialmente noite); ciúmes, reclamações e cobranças eram vedados; concordava com o distrato unilateral, e suas possíveis reversões, também unilaterais; aceitava a condição de “amante”, se necessário; promoção ou demissão sem aviso prévio e, no caso da última, sem prejuízos a amizade. Ele, claro, aceitou.
Seguiram no carro dele rumo ao motel em pleno dia de semana, duas da tarde. No quarto, tensão. Thalisson encheu a banheira, mas ela não garantiu a participação. Na cama (ainda vestidos), uma coreografia de novela mexicana, mas beijo algum foi roubado.
Uma ideia: jogariam “pedra, papel e tesoura”. Valendo as roupas, sugeriu ele; ou beijos, acrescentou ela. Thalisson ganhou a primeira e lhe beijou a nuca. Giovanna estremeceu. Era sensível a beijos na nuca. Mesmo assim, teve sorte, e ganhou todas a seguir. Deixou Thalisson apenas de cueca. E, de repente, vendado.
Giovanna correu ao frigobar e trouxe uma garrafa de água gelada. Colocou-a sobre a pele quente dele. Riu da reação, abusou da brincadeira. Na travessura, permaneceu vestida.
Thalisson inverteu, de supetão, as posições. Ela acabou de costas para ele, a barriga no colchão. A nuca virou seu alvo. Entre beijos, tirou-lhe a blusa. Como vingança, pegou a garrafa. Colocou-a deitada na curvinha de sua coluna. Não viu a tampa aberta, e a água gelada correu como um riacho até o bumbum. Ela gemeu, de frio e de um estranho prazer. Ele bebeu a água em suas costas, e Giovanna se debateu de cócegas.
Levou um tempo, mas ela se soltou. Entraram na banheira e, depois de tantas insinuações, voltaram para a cama. Voltaram prontos, amantes, e não amigos. Ele por cima. No primeiro beijo, no primeiro movimento do quadril, passou a primeira barreira. Um milímetro, e recuou depressa. Sem camisinha, não, disse Thalisson. Só um pouquinho, pediu Giovanna. Ele queria, mas não podia. Estava no limite.
Thalisson pegou e abriu depressa o preservativo, desenrolou-o e… Nada de pedra, só papel para se limpar, e tesoura para associar ao clima.
Encerram o tempo no quarto. No carro, olharam para fora do vidro. Finalmente, na porta de casa, Giovanna se despediu com um beijo na boca. Beijo de namorados em pleno auge do amor, diga-se. Mas o contratado estava demitido.
Gustavo Scussel