O retângulo luminoso

Foi um retângulo luminoso, acima de sua cama, que o acordou. Não havia lugar por onde entrar luz no quarto, e por isso o estranhamento foi completo. Saiu do lençol que o cobria e se levantou para investigar a origem daquela forma brilhante. Concentrou-se, primeiro, nas arestas, usando-as como referência para os pontos de onde poderiam originar a luz, e essa foi a primeira observação concreta que encontrou: as arestas iluminavam-se de dentro para fora — por sua forma semitransparente, era possível ver os cantos internos. A luz, portanto, não se originava de qualquer lugar do quarto, e no quarto não havia, em definitivo, lugar por onde entrar qualquer luz que pudesse formar tal figura geométrica. Pior: flutuante.

Tão certo quanto a inexistência de quaisquer frestas que pudessem dar entrada àquela luz, era a consciência de seu próprio estado: sabia que estava acordado, sem sombra de dúvidas, fato que poderia ser comprovado pela mulher que, ao ser acordada, primeiro desdenhou da explicação do marido por acordá-la e, depois, resguardada atrás dele, o puxou com uma força que sonho algum seria capaz de simular.

Ela implorou:

“Vamos sair daqui! Pelo amor de Deus, Samuel! Vamos sair do quarto! Agora!”

Samuel, fazendo-se de escudo, escoltou a mulher até a porta, mas não a acompanhou para o lado fora do quarto, provocando, nela, ruidosa insatisfação e raiva. Ele não conseguiu acalmá-la, a despeito da calma que fluía por sua voz e da alma subitamente preenchida por uma serenidade inexplicável em tão breve espaço de tempo.

“Fala comigo! Por favor!”, pedia a mulher, ao lado de fora.

Samuel atendeu, narrando:

“Está tudo bem, está tudo bem… Eu estou tentando entender melhor essa luz e…”

Prosseguiu dizendo, pausadamente, cada detalhe, cada suspeita e cada conjectura mal elaboradas que absorvia.

“Acenda a luz, Samuel! Acenda!”

Samuel riu — como não havia pensado nisso antes? — e levou a mão ao interruptor.

“A luz parece estar queimada”, respondeu ele para a mulher.

“E essa luz, essa bola, esse quadrado, sei lá o quê, parece estar vindo do bocal?”

Samuel riu novamente. Sabia que a esposa não era inclinada à lógica, mas naquele momento tão estranho e surreal, talvez o próprio confronto direto com o inicialmente inexplicável a fizera acessar essa habilidade — seria uma habilidade? Ou ela estivera escondendo esse lado de sua personalidade durante todo o tempo de casados?

“O que está fazendo?”

“Subindo na cama… para olhar o bocal.”

“Cuidado! Por favor, Samuel! Tenha cuidado!”

Sem resposta imediata, ela acertou a porta com a palma da mão aberta, reiterando:

“Fala comigo!”

Apesar do estrondo causado pela pancada, Samuel seguia calmo.

“Não, não há nenhuma luz saindo do bocal”, disse, por fim, descendo da cama e voltando a rodear a forma, mas decidindo-se mais e mais a tocar o objeto, talvez enfiar a mão nele.

Ergueu o braço. Sentiu-se hesitante: a serenidade anterior começava a ser contaminada por um receio desconhecido, proporcional à aproximação que se desenrolava diante dos seus olhos, a mão cada vez mais perto do objeto, ele cada vez mais longe da mão, a voz da mulher cada vez mais silenciosa.

Tocou a forma, finalmente. O toque atravessou. Perdeu de vista a mão. E outra mão foi a que viu diante de si, da mulher, chacoalhando-o, com a luz acesa, os olhos arregalados.

“Samuel! Acorda! Você está brilhando!”

Gustavo Scussel