Os estagiários

Iniciaram ao mesmo tempo um estágio na Empresa de Docas, em São Paulo, e conheceram-se logo no primeiro mês, em uma festa de confraternização quando os empregados de todos os setores comemoraram o aniversário da empresa. Guilherme quase não acreditara que sua mesa ficara ao lado da dela, enquanto ela nem sequer tivera conhecimento de sua existência.

“Você também é estagiária?”

De todas as maneiras possíveis, foi assim que Guilherme iniciou uma conversa com Dany.

O tom despretensioso da pergunta permitiu que a conversa seguisse naturalmente. Ambos pareciam, à distância, no mínimo colegas, ou velhos conhecidos. Ninguém adivinharia que o coração de Guilherme estaria acelerado. Seria, afinal, pouco provável, pois ele jamais comentara sobre ela. Tratava-se de um segredo seu, o qual carregava desde a primeira semana, e por isso estava agitado. E seu sonho — admitia ser um sonho — finalmente se realizou quando, naquela noite, conheceu Danyelle.

 

***

 

Na semana seguinte, encontraram-se em todas as pausas para o lanche da tarde, e almoçaram juntos pelo menos uma vez. Foi durante esse almoço que Guilherme deixou escapar parte de seu segredo.

— Você reparou em mim primeiro? Quando?

— Sim, reparei — respondeu Guilherme, hesitante. — Logo na primeira semana.

Dany sentiu-se lisonjeada, e embora quisesse perguntar mais, desviou propositalmente a conversa. A confissão de Guilherme, entretanto, ficou em sua memória. Ela desejava saber mais sobre aquilo que ele dissera. Na verdade, gostaria de saber mais sobre a própria curiosidade. Por que estava tão interessada em uma trivialidade como essa?

 

***

 

— Lembra quando disse que reparou em mim primeiro?

Guilherme fez que sim com a cabeça.

— O que viu em mim? Digo: o que achou de mim?

Ele sorriu, antes mesmo da primeira palavra.

— Não sei. Realmente… não sei. — Os lábios de Guilherme insistiam em esboçar um sorriso nostálgico. — Algo na sua forma de caminhar, talvez. E seu cabelo, sem dúvida o seu cabelo. E as mãos…

Dany quis interrompê-lo, mas Guilherme parecia ter encontrado a ponta do novelo que desenrolava suas lembranças sobre ela.

— Suas mãos lindas. E sua forma de sorrir. Parece que há sempre um pouquinho de malícia, de ironia, de sarcasmo. Seu olhar! Seu olhar também! O olhar possui a mesma congruência do sorriso. E sua voz! Ah, a sua voz…

Ela novamente quis falar, mas ele prosseguiu:

— Enfim: você! Eu reparei em você!

Dany abandonou qualquer comentário posterior com um sorriso satisfeito.

 

***

 

Alguns dias depois, não conseguiram se encontrar no almoço ou na pausa da tarde. A manhã chuvosa causara confusão no trânsito e ambos chegaram atrasados; durante a tarde, como forma de compensação, sem nem mesmo terem combinado, abriram mão da pausa para se mostrarem mais presentes em seus setores. Somente quando estavam prestes a encerrarem seus trabalhos, se falaram ao telefone.

A convite dele, Dany aceitou encontrá-lo para uma caminhada no cais entre os barcos. Enquanto andavam lado a lado, vagarosamente, ele perguntou:

— Já sonhou em ter um barco? Como esse, por exemplo? — disse, apontando para um veleiro amigável, todo branco, de piso de madeira clara e uma portinhola envidraçada no centro.

— Aonde eu iria com um barco?

— Para o mar, claro.

— Não tem nada divertido no mar.

— Mas não se trata do mar…

— Se trata do quê, então? — devolveu, curiosa, obrigando-o a parar com a sua pergunta.

— Da pessoa com a qual decide ir junto para o mar.

 

***

 

Durante uma semana, Dany evitou os convites e e-mails de Guilherme. Ele, em meio a própria confusão interna, cogitou até mesmo desculpar-se, embora não se recordasse de qualquer falha em relação a ela. Fora ela, contudo, que se afastara dele, como defesa, como segurança, como garantia de que jamais se machucaria, nem por amor, nem por qualquer outro sentimento. A distância que ela própria impusera, entretanto, era o que a machucava mais, e por isso, ao final da semana, reaproximou-se dele, aceitando novamente o convite para uma caminhada pelos cais, como se nada tivesse acontecido, voltando, inclusive, a um determinado assunto:

— Não acho que tenho alguém para levar comigo em um barco. Também não acho que alguém gostaria de ficar comigo em um.

— Como não? — perguntou ele assustado. — Eu mesmo adoraria! E como adoraria!

Ela sorriu. A ênfase de Guilherme era um elogio poderoso, capaz de massagear facilmente seu ego.

— De qualquer forma — prosseguiu Dany —, nunca entrei em um barco.

— Nunca? Então me pergunte que horas são.

— O que isso tem a ver?

— Apenas me pergunte — repetiu Guilherme, estampando um sorriso faceiro no rosto.

— Que horas são?

— Hora de entrar em um barco pela primeira vez!

 

***

 

Guilherme conhecera, em seu setor, inúmeros donos de barcos e veleiros, os quais o elogiaram bastante para seu chefe imediato. Ele (o chefe), por sua vez, provavelmente tomado por um espírito de solidariedade e lealdade com os colegas, entregou a Guilherme uma chave, dando-lhe a seguinte instrução:

— Essa é a chave do meu veleiro. Nos dias em que estiver cansado e quiser dormir no seu intervalo, fique à vontade para usá-lo. Qualquer homem trabalha melhor depois de trinta minutinhos de cochilo — concluiu ele, elevando a calça até o centro da enorme barriga.

Tal episódio poderia ser resumido perfeitamente, mas, para valorizar sua exclusividade, Guilherme limitou-se a responder Danyelle da seguinte maneira:

— É uma longa história… Mas te conto outra hora!

Do lado de dentro, o veleiro lembrava uma casa pequena, porém completa, aconchegante. Todo o estofado de couro, onde havia assentos, conferia um ar de suntuosidade ao barco, o que também o tornava cheiroso.

— O que achou? — perguntou Guilherme.

Dany ainda olhou ao redor por um instante antes de respondê-lo.

— É tão gostoso aqui dentro! Acho que mal daria para me sentir no mar!

Os dois se sentaram praticamente juntos, e somente quando a conversa avançava pela primeira metade da hora, ele resolveu perguntar algo que lhe parecia óbvio, e que, entretanto, fora esquecido:

— Tem namorado?

— Não.

— Já teve?

— Nunca.

— Então…

— Sim, sou virgem.

— Não — rebateu Guilherme. — Não era isso o que eu ia perguntar…

Dany corou-se de vergonha. Ele prosseguiu:

— Eu iria perguntar se nunca tinha gostado de alguém.

— Acho que não.

O silêncio pairou no ar. Dany, lutando contra a própria vergonha, retomou o assunto com confiança.

— E você? É virgem? Agora que eu disse, não me importo de conversar sobre isso.

— Não — mentiu Guilherme, deixando Danyelle um pouquinho frustrada.

 

***

 

Pensaram um no outro durante todo o final de semana, de tal forma que, na segunda, encontraram-se no almoço e no intervalo, enquanto aguardavam ansiosamente o final do horário administrativo para conversarem a sós no veleiro novamente.

Dessa vez, não tiveram palavras, mas seus lábios conversaram perfeitamente. Trocaram beijos impacientes no início, até acalmarem os próprios ânimos e se envolverem em uma valsa mais graciosa, deixando os narizes se tocarem com leveza, os lábios e as línguas; deixando as mãos finalmente deslizarem pelas bochechas do outro, pela nuca, pelas sobrancelhas, pelos olhos fechados, o contorno da boca, o queixo; olhando-se afetuosamente em cada pausa, antes de se entregarem novamente; deixando os corpos balançarem com as pequenas ondas por baixo do casco e aproximarem-se ainda mais; despindo-se lentamente como as algas que se desprendem do fundo do mar com naturalidade.

Um pensamento, entretanto, minou a repentina confiança de Guilherme. Lembrou-se, de repente, de sua pequena mentira, e um suor frio começou a brotar de seus poros. Por mais envolvido que estivesse nos beijos, na pele de Danyelle, sentia como se estivesse em uma câmara de refrigeração, e encheu-se de medo e vergonha quando deslizou uma das mãos pelo abdômen de Dany em direção a calcinha e ao seu interior — medo de que seus dedos gélidos fossem assustá-la, vergonha de transparecer o nervosismo para alguém que havia dito não ser virgem.

Quando um dos dedos de Guilherme delineou sua intimidade, algo inusitado aconteceu a Danyelle: sua boca descolou-se imediatamente da dele, soltando um gemido que, em vez de controlar a excitação, exasperou ainda mais seu estado. Era como se, pela primeira vez, sentisse aquilo que buscara na infância quando, a fim de aplacar o calor, deitava-se no piso frio e deixava o corpo esfriar, esfregando-se ao chão e mexendo, involuntariamente, a calcinha, provocando-lhe uma deliciosa sensação ambígua de frescor e ardor desconhecidos e incompreensíveis que aumentavam gradativamente ao passo em que o calor se dissipava e o incógnito a avivava entre as pernas.

Quando Guilherme quis remover sua mão, ela o forçou para o mesmo local, suspirando pesadamente em seu ouvido, incentivando-o, com seus sussurros vindos direto dos pulmões, a continuar, a tocá-la mais, a manter o dedo ali ou, quem sabe…

Um frenesi incoerente e extraordinário apossou-se de seu corpo. Choques violentos contraíram seus lábios íntimos, prendendo o dedo invasor dentro de si, tornando-o servo de seu inesperado desejo.

Compreendendo pouco ou absolutamente seus sinais, Guilherme investiu na cadência, hora caminho adentro, hora caminho afora, repetidas vezes. Dany não sabia se controlar, e se soubesse, não o faria. Delatou seu próprio anseio ao gozo impetuosamente, entregando-se ao movimento e até mesmo indo em direção contrária a ele.

Ela, colada ao suor gelado de Guilherme, encontrou logo a seguir um deleite além do esperado, exprimindo a satisfação com comovente eloquência, sentindo o corpo amolecer, entorpecer e, finalmente, arrefecer.

Gustavo Scussel