Perigosa imaginação

divorce460— Sonhei com você essa noite — confessou alegremente. — Nós dois… Sabe? Foi tão lindo!

Lisete, no entanto, se zangou; parecia ofendida, relegada a objeto. Irritada, asseverou:

— Pois não deveria.

Otávio caiu das nuvens.

— Por que não, amor?

— Porque não, e ponto final.

— Mas…

— Sem “mas” — cortou ela. — E aviso: não quero que sonhe ou pense em mim dessa forma. Entendeu?

Confuso, perplexo, até, Otávio consentiu. Pensou, de fato, em argumentar, dizer que, se fosse para sonhar com alguma mulher, o ideal seria justamente ela, não outra. Afinal, Lisete era sua namorada.

Encerrado o encontro, que não passou, como sempre, de alguns poucos beijos e carinhos, foi embora pensativo. Em casa, refletiu sobre a atitude de Lisete. Não compreendeu o motivo da revolta. O que poderia um sonho tão amoroso, ter de tão errado? Esquentou a cabeça, mas não soube responder; e, como remédio para esfriá-la, entrou no chuveiro.

Durante o banho, resgatou o sonho. Lembrou-se dos detalhes e misturou a imaginação com a realidade, evocando o cheiro da namorada, o sorriso e a textura dos lábios. Logrou-se quiromaníaco pela primeira vez. Secou-se feliz, sem culpa e ressentimento; trouxera à lembrança o melhor de Lisete e encontrara satisfação nesse onanismo criativo.

Os sonhos tornaram-se frequentes, normais. Otávio, evidentemente, guardou-os para si. Encontrava Lisete e namorava sem receio. Estava mais apaixonado, verdade, assim como ela. A relação, que se estendia por dois anos, já tinha o consentimento dos pais. Assim, ao completarem a idade apropriada, ficaram noivos.

Casaram pouco depois, no civil e no religioso, em uma sexta e sábado, respectivamente. A cerimônia na igreja, embora simples, foi encantadora, condizente com a família humilde e extremamente católica de ambos. A festa modesta agradou todos os convidados, mesmo sem requintes. Os noivos jantaram, trocaram-se mais tarde e despediram-se rumo ao aeroporto, onde tomaram o avião com destino ao nordeste paradisíaco, de piscinas de águas claras e mornas, corais e areias brancas.

Chegaram pela manhã bem dispostos, apesar da viagem cansativa, e desprezaram, de imediato, um passeio pelas praias. Desejavam, sem sombra de dúvidas, apenas o quarto, a companhia e a intimidade. Estavam, finalmente, em plena lua-de-mel, e ambicionavam-se como nunca. Diante da bela paisagem na varanda, declaram-se novamente, e o beijo que trocaram, acabou levando-os para a cama.

Revelaram-se cada qual em seu próprio tempo. Enfim desnudados, pediram perdão em tom de prece, apenas para si mesmos, para o pecado original que, entretanto, não aconteceu. A mãe a prevenira da possibilidade, só não contara as razões. Otávio, por outro lado, não entendeu nada. Falhar, na primeira vez? Julgou pouco provável, tratando-se, naturalmente, da primeira.

Lisete, carinhosa, temendo, inocentemente, talvez, alguma indisposição de saúde, perguntou:

— Está tudo bem?

— Está sim — respondeu Otávio, perturbado. — Isso não acontece quando te imagino.

Crispou-se diante da confissão do marido. Vestiu-se como pôde, às pressas; pegou a bolsa e saiu.

Um mês depois, Otávio recebeu o pedido de divórcio.

Gustavo Scussel