Quando a multidão reconheceu os estampidos de arma de fogo no meio da folia, o reco-reco deu lugar ao corre-corre. A polícia entrou rapidamente em ação, prendendo os envolvidos na troca de tiros. O motivo, conforme seria averiguado posteriormente, constataria o clássico: excesso de álcool. Assim sendo — e após uma varredura minuciosa à procura das cápsulas disparadas e possíveis vítimas —, asseguraram novamente a paz, e pouco a pouco os blocos carnavalescos retornaram a festa. Em boletim, o tenente responsável informou que ninguém fora alvejado. Estava, entretanto, enganado.
Rafael e os dois amigos correram o máximo que puderam em clima de Deus nos acuda. Distantes da confusão, começaram a rir ofegantes, sentindo os efeitos da atividade física inesperada. Samir e Tácio demonstravam cansaço com razão, pois eram, indubitavelmente, sedentários: não praticavam qualquer esporte e nem sequer possuíam hábitos saudáveis. Por outro lado, Rafael era o exemplo de vida equilibrada: corria sete quilômetros por dia, de segunda a sábado, não bebia ou fumava. Exatamente por isso, estranhou a vista turva e a exaustão. Sentiu uma pontada acima do quadril, típica de desportistas iniciantes. Olhou para o local da dor sobre a camiseta e estranhou a cor. O tom definitivamente não fazia parte do abadá. Subitamente se desequilibrou, caindo sentado.
A ambulância chegou em questão de minutos. Colocaram-no na maca e iniciaram o atendimento a caminho do hospital. Fizeram as perguntas de praxe — nome, idade, como estava se sentindo e alergias —, ao que Rafael respondeu:
— Penicilina, Dorflex e carnaval.
Isabel e o enfermeiro não reprimiram a gargalhada.
— Ingeriu álcool? — prosseguiram.
— Não. Só água mineral — respondeu; se fazendo referência a uma das marchinhas mais famosas de carnaval ou não, os socorristas não souberam afirmar. Ainda assim, riram do humor da vítima. — Além disso — acrescentou —, não bebo álcool.
A resposta surpreendeu a ambos, especialmente Isabel. Tanto que buscou um pretexto a fim de constatar seu hálito. De fato, dissera a verdade, e graças a esse pequeno subterfúgio, Rafael pôde vê-la sem a máscara. Então a elogiou, com sinceridade:
— Você é bonita.
Isabel agradeceu sentindo o rosto corar de maneira inédita. O outro socorrista debochou:
— Não é não.
— Devo estar perdendo muito sangue então — comentou Rafael.
Quando chegaram ao hospital, ele, cochichando e um pouco preocupado, arriscou:
— Se eu sobreviver, aceita sair comigo?
— Você vai sobreviver — respondeu Isabel, explicando, na sequência, que a bala não acertara qualquer órgão e a hemorragia fora perfeitamente estancada.
Olharam-se por um instante.
— Isso é um “sim”?
Ela sorriu no instante em que o tiraram da ambulância. De fato, sobreviveu, e ganhou, como recordação, sete pontos no abdome e o número de telefone da enfermeira.
Seis anos após o incidente, Rafael ainda culpa os amigos por o levarem a força para o carnaval; Isabel, por outro lado, os agradece. A propósito, Samir e Tácio serão os padrinhos do casamento que acontecerá na sexta que antecede a quarta-feira de cinzas. Portanto, “Save the date”.
Gustavo Scussel