Catarina

É garantido, a todo recém-nascido, a pureza e a inocência capazes de fazer qualquer pessoa, intelectualizada ou abrutalhada, sorrir diante de semelhante miniatura de gente. A bem da verdade, quando nascem, bonitos não são. Não há singularidade em seus traços. Vivem os primeiros dias com os rostos inchados, por vezes vermelhos, as peles lisas e os olhos enrugados. Fazem sempre beiço porque nas gengivas não têm dentes. Não sorriem, apenas reagem a estímulos, pois a pele é hipersensível, mas os adultos, principalmente os pais, insistem que sim. Nascem sem saber que nasceram. Pela pureza que carregam, não se importam com a própria beleza, essa que não existe, mas somos influenciados a ver porque tudo que é inocente é naturalmente mais encantador. Mas diferentemente de todos os nenês, Catarina nascera linda. Possuía, desde a primeira noite no berçário, belos traços, cor vistosa, olhos admiráveis e uma forma incomum de reagir a qualquer estímulo.

Com exceção ao tapa que Catarina recebera no bumbum ao nascer, em nenhuma outra ocasião seus pais a viram chorar. Qualquer pessoa que a visse aos onze anos de idade, acreditaria se tratar de uma menina mimada — atribui-se a esse julgamento, e muito, a superproteção normalmente dada àquelas crianças cuja beleza é inegável desde muito cedo. Catarina, entretanto, sempre fora de aço e, além disso, segura de si. Mesmo tendo como lar uma grande mansão, repleta de mordomias, empregados e regalias, enjeitava constantemente qualquer ajuda. Arrumava a própria cama, lavava o prato onde comia, guardava as bonecas e empilhava cadeira, baús e bancos para chegar ao topo do armário do quarto, onde fazia questão de guardar tudo que lhe era mais importante.

Foi durante uma dessas aventuras trapezistas que causou o maior susto aos pais, que ouviram, de repente, um estrépito no teto, resultado de alguma queda no piso superior. Correram juntos, seguidos por dois empregados, escada acima em direção ao quarto de Catarina. Encontraram-na no chão, olhando firme para o alto. Parecia, aos olhos de todos, indiferente a qualquer dor. De fato, dor Catarina não sentia, apenas provocava.

Havia sempre um momento em que, escondida, ela corria para o jardim atrás da casa. Nessas ocasiões, serpenteava pela grama cautelosamente, buscando no verde algum contraste. Quando avistava um tom marrom ou preto deslocando-se devagar sobre as gramíneas, começava a ensaiar a melhor forma de pisoteá-lo. Às vezes pisava de leve sobre o inseto, apenas para assustá-lo, e tornava a esmagá-lo com singela pressão na sequência, somente para desesperá-lo mais. O “creck” do exoesqueleto sim a fazia sorrir e regozijar com a sensação de poder e de controle, de decisão sobre a vida e a intensidade da dor. Nesse ínterim, Catarina se perdia de alegria e o tempo voava. Quando o inseto finalmente parava de agitar as patas, ela o espetava com um alfinete e o cravava em um pedaço de isopor. Então, satisfeita, aço penetrado, realizada, corria para o topo do armário do quarto, onde o guardava como troféu.

Gustavo Scussel