O celular de Fabrício vibrou durante a aula. Responsável, deixava o aparelho ligado, mas sem conexão com a internet, apenas para receber chamadas em casos de emergência, e vendo que a ligação vinha da própria mãe, preparou-se para alguma má notícia.
Saiu da sala às pressas. Ao atender, ouviu a mãe do outro lado da linha:
— Não, Fabrício. Eu disse que não. — A voz chegou em um tom rígido e controlado, e ele quase pôde ver, na imaginação, um maxilar tenso a expelir tais palavras.
Confuso, buscou entender a queixa da mãe. As perguntas foram em vão, pois ela repetia as mesmas palavras, no mesmo ritmo e volume, sempre que ele começava a falar.
Retornou a sala um pouco perturbado. A amiga que se sentava ao lado, percebeu. Fabrício explicou aos cochichos a situação, e terminava de contar quando o celular vibrou novamente. Dessa vez, os dois foram para o corredor.
No viva-voz, as palavras ouvidas foram exatamente aquelas que Fabrício contara para a amiga, que interveio a favor dele:
— Marta? Alô, Marta? Sou eu, a Cris! Está tudo bem com a senhora?
A voz parou subitamente. No silêncio que se estendia desconfortavelmente, Fabrício reforçou a pergunta.
— Eu disse ao Fabrício que não. Eu disse que não.
A ligação foi encerrada. Os dois amigos se entreolharam. Fabrício, tomado por uma palidez extrema, justificou-se: não havia feito nada de errado, tampouco sabia sobre o que a mãe falava.
— Ligue para ela. Agora — sugeriu Cris, e na falta de uma ação por parte, ela mesma retornou à ligação.
O primeiro toque demorou a surgiu. O segundo, também. Então o terceiro e, finalmente, o quarto. Estranharam a demora. Por fim, receberam um “alô” em um tom incompatível com o anterior.
Fabrício saiu de seu próprio torpor de confusão, medo e preocupação, embora a mãe não conversasse daquela forma.
— Estou bem, filho. Aconteceu algo?
Ele explicou, mas também foi necessária a explicação de Cris para que Marta acreditasse.
A mãe estava convencida, mas atribuía à ligação uma tentativa de golpe e nada além. Fabrício e a amiga tentaram argumentar juntos — “mas era a voz da senhora”, “o mesmo número” —, mas Marta, rindo, rechaçou a ideia. Mesmo assim, foi tomada por uma leve culpa ao menosprezar o motivo que os levaram a ligar para ela, e embalada por um instinto materno, ofereceu-lhes um almoço antes de retornarem para as aulas do período da tarde.
Mais tarde, ao meio-dia, tanto no carro, quanto no estacionamento e na praça de alimentação, o tópico insistiu em reaparecer sempre narrado com uma pontinha de emoção nova, ficando cada vez mais leve e mais propício a uma série de piadas.
Comiam e conversavam sobre outros assuntos quando, de repente, o celular de Marta tocou. Viu o nome do filho na tela do aparelho e o atendeu com ar de superioridade, prevendo a tentativa do mesmo golpe.
— Ele não sou eu, mãe. Não sou eu — ouviu, reconhecendo a voz do filho embebida em um aparente choro derrotado.
E, olhando bem, não parecia mesmo ser o seu filho ali, almoçando com ela.
Gustavo Scussel